Em contexto de pandemia e isolamento social obrigatório é recorrente o aumento de sofrimento psíquico na população, principalmente em quem já tinha fatores preexistentes. Na segunda quinzena de maio, começou a nova onda de pesquisa do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA Brasil) que irá avaliar repercussões psiquiátricas e psicológicas decorrentes da pandemia do novo coronavírus.

O ELSA Brasil é uma investigação multicêntrica de coorte composta de 15 mil funcionários de seis instituições públicas de ensino superior e pesquisa das regiões Nordeste, Sul e Sudeste do Brasil. A pesquisa tem o propósito de investigar a incidência e os fatores de risco para doenças crônicas, em particular, as cardiovasculares e a diabete. As doenças relacionadas à saúde mental são fatores indiretos de doenças crônicas.

Os participantes da pesquisa preencherão questionários que vão identificar mudanças que tiveram que fazer em seu estilo de vida durante o período  de quarentena, como trabalho remoto, alterações do sono, surgimento de sofrimento emocional, luto, como se protegeram ou como se sentiram  ao ficar expostos à contaminação.

Em entrevista ao Jornal da USP, o médico psiquiatra André Russowsky Brunoni, professor associado da Faculdade de Medicina (FM) da USP, disse que os quatro mil participantes de São Paulo (as pesquisas do projeto ELSA-Brasil têm alcance nacional, nas regiões do Nordeste, Sul e Sudeste do Brasil) serão convidados a responder questionários virtuais mensais, por meio  de smartphone ou computador, por um período de seis meses, quando serão “avaliados sintomas depressivos e ansiosos, aumento de estresse e fatores de proteção e risco dessa população”. Após esse momento, os que solicitarem auxílio psicológico, “pontuarem sintomas graves ou muito graves e apresentarem piora superior a 50% nas escalas de depressão, serão convidados a passar por até cinco intervenções psicológicas on-line, com duração de 45 minutos, com profissionais de saúde mental experientes no manejo desses sintomas”, diz.

Médico psiquiatra André Russowsky Brunoni, professor da Faculdade de Medicina (FM) da USP e coordenador da pesquisa – Foto: Arquivo pessoal

Brunoni, que é também coordenador da pesquisa, explica que episódios de aumento de transtornos mentais já haviam ficado evidentes na população em epidemias passadas como as do ebola, na África, em 2014; a Sars, na China, em 2002, e a Mers, em 2012, no Oriente Médio. Porém, “as amostras de estudos dessas doenças foram relativamente pequenas, restritas a indivíduos de risco e com medidas parciais de quarentena, situação diferente da que ocorre na pandemia de covid-19”, diz. Recentemente artigo publicado na Lancet (The psychological impacto of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence) de uma pesquisa realizada em 164 cidades chinesas observou que 16,5%, 29% e 8% das pessoas que viveram a pandemia de covid-19 descreveram respectivamente sintomas moderados a graves de depressão, ansiedade e estresse. Embora “não se saiba ainda se estes problemas psíquicos persistirão no longo prazo”, explica  o pesquisador.

Assistência terapêutica on-line

Psicóloga Marina Lopes Moreno, que coordenará as intervenções dessa onda do ELSA-Brasil e orientanda do professor Brunoni no IPq/USP – Foto: Arquivo pessoal

A psicóloga Marina Lopes Moreno, que coordenará as intervenções dessa onda do ELSA-Brasil e é orientanda do professor Brunoni no Instituto de Psiquiatria (IPq) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), explica que o suporte psicológico aos participantes será feito por profissionais e utilizando dois tipos de intervenções – a de grupo breve por videoconferência, com duração de cinco semanas, e modelo de terapia aplicada por internet – , ambas baseadas em Terapia Cognitiva Comportamental (TCC). Essa abordagem trabalha com evidências científicas que buscam compreender a relação entre pensamentos, emoções e comportamentos. A proposta leva em conta como o ser humano interpreta os acontecimentos, ou seja, como cada pessoa vê, sente ou pensa em relação a uma determinada situação, aqui no caso, a pandemia e a necessidade de ficar em isolamento social.

O material didático, que será enviado aos participantes, contem slides, lições, vídeos explicativos e proposição de tarefas a serem realizadas em casa. Antes de cada sessão, ocorrerá o monitoramento dos pacientes com relação aos sintomas de pensamento acelerado, tensão muscular, preocupação excessiva, pensamento negativo, desatenção, irritabilidade, impulsividade, dificuldade em adormecer, dificuldade em acordar disposto e dores de cabeça.  Eles também serão orientados ao longo da semana a participar de fórum de discussão em plataforma on-line, com temas propostos nos vídeos. Paralelamente, além desse trabalho, será proposto o engajamento em atividades  protetoras da saúde mental, como  atividade física, práticas de meditação e atividades de lazer.

Marina explica que a escolha do modelo de terapia TCC on-line foi feita pelo alto alcance de número de pacientes (até 30 por grupo) e pela possibilidade de assistência terapêutica on-line com potencial terapêutico mesmo em situações de emergência, onde há grande demanda por atendimento e número insuficiente de profissionais para saná-la. A ideia é que a intervenção aplicada pela internet possa vir a complementar a assistência tradicional em formato de terapia individual ou em grupos pequenos. “Em caso de verificação de pacientes com tendência suicida ou comportamento de alto risco, estes serão encaminhados para atendimento psiquiátrico de maior complexidade da equipe”, relata.

Segundo Brunoni, a análise dos resultados dessa pesquisa deverá ocorrer até dezembro de 2020 e poderão auxiliar no planejamento de ações de prevenção e intervenção na área da saúde mental.

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Mais informações: (11) 3091-9206 / 3091-9271 ou e-mail elsa@usp.br

www.jdoconsultoria.com.br

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